
Ela chamou todos.Até os que ela não considerava amigos foram. Até os que ela não queria apenas como amigos foram.
As flores não tinham cor e o sol e a lua eram coisas sem beleza. O céu não a encantava mais.
Ficaram conversando. Ela abraçou a todos. A bebida chegou, e ela sabia que tudo seria mais fácil se estivesse bêbada.
A dor no peito, a dor no estômago. Maldita gastrite nervosa, por que tinha de atacar justo agora?
Os cortes da noite anterior ardiam. Ela era boa em em disfarçar a dor. Ningém viu seus pulsos, ninguém percebeu a ânsia de angustia e bílis que ela sentia. Ningém sabia que o encontro na verdade era uma despedida.
A vida toda, apenas um afago. Ela se contentava com os "eu te amo" vazios, os carinhos sem sentimento, os beijos por interesse.Não ligava se não era verdade, afinal, ninguém havia prometido nada, ninguém (nem ela mesma) achava que ela merecia ser feliz. Mas ai veio a promessa, lhe prometeram e ela fez tudo (TUDO!) para não acreditar, mas o seu coração (que é tão vagabundo) qeuria uma esperança, e acreditou. Era mentira! Era uma promessa falha! Não por culpa de quem prometeu, não! Nunca faria isso de propósito! Mas tudo bem, agora ela sabia que a sua alma nunca interessaria a ninguém, apenas o seu corpo. Não importa quem seja, ela não nasceu para ser amada, nasceu apenas para servir e amar.
E a vida? Para ela, a vida de nada servia, afinal, de que vale a vida se não se tem amor? Seu sonho era ser amada de verdade, seu sonho era fazer parte da vida de alguém.
Se despediu de todos meio que por alto, apenas murmurando um "tchau". Pegou o trem, o último trem. Ningém sabia o que ela pensava, nem mesmo ela sabia, talvez ela não pensasse em nada.
Chegou e se trancou no quarto. Seu estilete novo estava bem escondido. Um corte, dois, vários. O sangue já escorria. Mas essa não era a primeira vez, ela sabia que aqueles cortes eram apenas preliminares. A cada corte, uma dor física substituia a dor da existencia, e quando o sangue gotejava e escorria, ela se sentia menos suja, menos poluída.
Lembrava de tudo, das pessoas, da infância, da solidão. O medo de estar só a consumiu. Sempre só, nunca teve ninguém, nunca confiou em ninguém. Quando confiou, já era tarde de mais, ela já não podia mudar. Sempre carregando a dor dos outros junto com as suas, sempre quieta, esperando que a xingassem, que rissem dela. Quantas vezes as crianças não colaram chiclete no seu cabelo, e ela não contou para a mãe, com medo de ser chingada? Quantos ela considerava seus amigos e de quantos ela se considerava amiga? Com certeza era mais amiga dos outros do que tinha amigos. Mas essas lembranças iriam desaparecer.
Um corte mais profundo. a carne se partiu, a lâmina chegou nos vasos sanguineos. Uma leve dor percorreu o seu corpo. Mas isso também não era novidade, das outras vezes, sempre aparecia alguém e ela voltava ao hospital, ficava internada e os tratamentos com psicológicos começavam outra vez, apenas para não fazer efeito.
Cortou os tornozelos também, assim seria mais rápido. Sentiu a consciência se perder em uma mistura de dor, calma, sono, agonia, e então finalmente, paz.
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